KENES: QUANDO A ESPIRITUALIDADE SE INTEGRA AO UNIVERSO DA MODA
Às margens do Rio Gregório, no coração da Floresta Amazônica acreana, a pequena embarcação encosta, após oitos horas de viagem. Alberto Hiar, finca os pés em terra firme e é recebido, de braços abertos, pela aldeia Mutum da etnia Yawanawá e pelos espíritos da floresta. As vozes ecoam por entre a copa das árvores e tocava o coração.
A desconexão se completa no Ritual Vekushi. Em meio a cantos e danças tradicionais dos indígenas, o sepá - resina rara de ser encontrada na floresta - é queimado a fim de promover a purificação espiritual, dar as boas-vindas aos visitantes e evocar a proteção dos espíritos da floresta. O perfume do sepa em brasa envolve todo o ar que se respira.
Há tempos, o diretor criativo da Cavalera buscava um meio de trazer algo tão intrínseco a cultura brasileira para o universo da marca paulistana. A vontade era tamanha que Hiar optou por desvendar e vivenciar, in loco, os mistérios da Floresta Amazônica e da cultura Yawanawá e, através dos rituais de purificação, livrar-se de qualquer energia negativa para, a partir de então, conceber o direcionamento da coleção apresentada.
A coleção “Kenes”, nome dado aos desenhos típicos que possuem significado espiritual ligado ao universo cosmológico Yawanawá, tomou forma. Eles serviram de inspiração para estampas exclusivas, recortes e modelagens. Um dos desenhos mais importantes traz a representação da ponta da lança que, em seu formato angular, surge em prints e em recortes profundos.
A grande força da mulher Yawanawá, liderada pela Cacique Mariazinha, é retratada na coleção em detalhes expressivos e marcantes que se equilibram com a delicadeza e a leveza feminina. O colorido está muito presente, fato quase inédito para uma marca que tem suas origens cravadas no universo rock’nroll. Vestidos e saias menor ou longas, frentes-únicas e decotes profundos garantem uma imagem sensual e com o corpo mais à mostra. O contraponto é feito nos sapatos, que ganham solados pesados, fivelas e ares góticos.
Do lado masculino, Hiar explora a imagem de um safári mais utilitário, bastante rústico e, despretensiosamente, elegante. Os tons neutros, como cáqui, branco e preto reinam por entre parkas, bermudas, jaquetas quebra-vento e calças de corte slim. A alfaiataria, com paletós de um, dois ou quatro botões, segue desconstruída, sem ares muito formais e ganha formas, principalmente, na sarja.